sábado, 27 de dezembro de 2008

Um feliz ano, uma feliz festa

Vou ficar uns 10 dias sem postar... um pouco de férias, não?
Abaixo, meus sinceros votos de que construam um "ano novo" que mereça esse nome, como nos recomendou o bom e velho Drummond.

"Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

(...)
Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta."

(Victor Hugo)

***
Da Inquieta Esperança

Bem sabes Tu, Senhor, que o bem melhor é aquele
Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.
Nunca me dê o Céu... quero é sonhar com ele
Na inquietação feliz do Purgatório.

(Mário Quintana)

***
"E sonhos não envelhecem
Em meio a tantos gases lacrimogênios (...)
De tudo se faz canção,
E o coração na curva de um rio"

(Lô Borges e Milton Nascimento)

De novo

- Que horas são???? – levantou e saiu, apressada, cara de quem dormiu demais a ponto de nem lembrar o que perdeu de fazer.

- Um beijo de tchau? – alguém pediu. Sem sucesso. Ela desapareceu e nem um rastro de perfume ficou.

Correu, correu, correu pelas ruas do centro. Era muito cedo. Para ela, muito tarde. Correu, correu, correu. As poucas pessoas que havia na rua olhavam estranhando. Onde diabos aquela moça poderia ir com aquela pressa. Um ou outro velhinho; bêbados recém-saídos de comemorações festivas efusivas; aqueles que precisam mesmo trabalhar – sempre há. Um monte desses nem liga, é um dia comum. Porque é mesmo. A gente é que atribui significados. Se quiser.

Quando ela chegou ao seu destino, mergulhou num banho quase infinito, não fosse pela rapidez. Tava querendo limpar a alma, parecia. Esfregou o que pôde. Mas a alma fica dentro, dizem. Então, ela também bebeu água.

Se jogou na cama, inteira. O corpo ficou todo entregue à cama tão familiar. Sabe quando nenhum ponto do corpo se apóia mais que outro? Assim. Ela tentou não dormir. Respirava fundo, parecia ofegar. Mas era só pela correria de minutos antes. Os olhos ficavam fixos em um ponto qualquer do quarto. Vidrados. Daí, acabou adormecendo.

A questão é que ela não queria ver a manhã chegar, nem clarear. Queria anular essa parte do dia, como se fosse possível pular uma parte da vida. De algum modo, conseguiu. Estava fugindo loucamente de lembranças estranhas, difusas e ruins. Ela não tinha certeza, mas pareciam ruins. Um passarinho que saiu voando atrás dela desde o apartamento do rapaz com quem dormiu – já nem lembrava o nome – perseguia anunciando alguma coisa. Eram as lembranças. Mais um ano que acabou. Outro começou. Ela não viu quando aconteceu.

Lembranças ruins de saudades. De medo de começar tudo outra vez. Ou de nem precisar começar. Tem vezes que a pessoa percebe que a vida ta indo sozinha, sem ninguém conduzir. É quando não dá mais vontade de comemorar o ano novo.

Ela preferia comemorar o ano velho mesmo... nem aquele que se acabava, outro, um que passou há mais tempo. Alguma coisa ficou perdida lá. Não sabia como se livrar dessa sensação. Então, era melhor não ver o dia raiar. Ela nunca tinha fugido assim antes. Queria a noite, porque no escuro ninguém enxerga.

Às vezes é bom isso de não enxergar. Adormecida ali, ela não enxergava, mas no sonho sim. Apareciam imagens confusas na cabeça, como numa retrospectiva das coisas que ela nem sabia que viveu. Umas cenas desconexas. Vontade de sentir de novo gelo no coração, arrepio na pele, tremelique na barriga. Vontade de sentir gosto de brigadeiro na boca. De só saber as horas pela posição do sol no céu. Vontade de apertar um cachorro bem peludo e manso. Vontade de dormir e nem lembrar de acordar, e quando acordar, nem lembrar que dormiu.

Ela acordou.

- Feliz ano novo, guria – o passarinho que a perseguiu a saudou também, e estava sorrindo.

Ela levantou e tomou outro banho. Os olhos pareciam procurar alguma coisa. A boca acabou sorrindo. Tava leve ela. Dessa vez sim, o ano ia começar.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Papai Noel às avessas

Papai Noel entrou pela porta dos fundos
(no Brasil as chaminés não são praticáveis),
entrou cauteloso que nem marido depois da farra.
Tateando na escuridão torceu o comutador
e a eletricidade bateu nas coisas resignadas.
Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,
achou um queijo e comeu.

Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender,
teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças
(no Brasil os Papai-Noéis são todos de cara raspada)
e avançou pelo corredor branco de luar.
Aquele quarto é o das crianças.
Papai entrou compenetrado.

Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais lindos
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos
soldados mulheres elefantes navios
e um presidente da república de celulóide.

Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho de alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente brigavam por causa do aperto.
Os pequenos continuavam dormindo.
Longe um gato comunicou o nascimento de Cristo.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha,
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.

Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes.

(Carlos Drummond de Andrade)

***
Feliz Natal pra quem é de Natal, feliz festa pra quem é de festa.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Ano acabando

De repente o ano já tá acabando. E você só percebeu agora. "Caramba, os presentes!", lembra-se, malfadada. "Odeio shopping center", é pensamento que se sucede. São Paulo tá quente, mas tá escura, ninguém sabe por quê. Os meteorologistas sabem, mas a explicação deles não queremos.

Essa percepção tardia do fim do ano traz sempre a nostalgia também tardia. Porque as luzinhas de Natal já estão piscando há algum tempo. Mas eu só percebia quando enfrentava um trânsito do cacete na Avenida Paulista por causa das pessoas que param pra ver (!). E já acabou o curso de espanhol, tem bares e lojas que já não abrem, a Câmara tá em recesso (embora eu siga aqui). E eu só percebi o fim do ano agora.

Domingo, o elevador do prédio quebrou de novo. Maldito ano que não acaba. Sabe quando você vê, mas não sente? Eu não tenho espírito natalino... mas agora é que tá desabando o fim do ano na minha cabeça. Ele sempre traz nostalgias. Este ano traz um alívio especial junto - "vai logo". E dá uma peninha, no fundo, de não ter sentido esta sensação de fim de ano por mais tempo.

Olha, eu, assim como Drummond, não deveria lhes dizer. Mas esta lua e este conhaque botam a gente comovida como o diabo...

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

A cidade que mora em mim - um poema para Porto Alegre


Eu não nasci na minha cidade
Eu a adotei.

Não há rua nela em que eu não veja
O mundo que dela mesma
eu tenho para esmiuçar
e fazer dele meu palco, cenário e figurino
para ali contar minhas histórias
(aquelas que não escrevi
porque me faltava o cenário).

Não há esquina de onde não se ouça
o soluçar da dor
de cada canto do Brasil
(embora ela se reconheça
como quem já quis chorar suas próprias dores sozinha)

As esquinas democráticas,
E pores-de-sol incomparáveis,
A vontade que ela me desperta
de saber dela sempre mais.
A claridade da cidade de olhos bem abertos
A umidade da cidade à flor da pele.

Respiram na complexidade doce
de um povo que fala cantando
e sempre tem um time.
(quase sempre tem um lado)

Porto Alegre sorri em vermelho
pelas dores
pelos cantos
pelo colorido do céu no fim da tarde
pelo adormecer do sol no Guaíba
na camisa do Inter
na luta do povo.

Eu não nasci na minha cidade
Mas ela também me adotou.
Da última vez que parti,
O sol ensolararava a minha estrada
Mas as nuvens logo choraram
assim que me viram sair.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Carta da Secretaria Nacional de Mulheres do PT contra a “CPI do aborto”

Em recente decisão, na primeira quinzena de dezembro, a mesa diretora da Câmara Federal decidiu acolher requerimento apresentado quanto à polêmica “CPI do Aborto”. Essa decisão política expressa o desapreço do Congresso Brasileiro por uma decisão tomada por milhares de brasileiras, reunidas em duas conferências nacionais de políticas públicas para as mulheres. Isso sem contar, é claro, os anos de luta do movimento de mulheres em defesa da autonomia das mulheres sobre seu corpo e sua sexualidade.

As I e II Conferências Nacionais de Políticas Públicas para as Mulheres reuniu mulheres de todas as raças, gerações, etnias, matrizes ideológicas, religiosas e partidárias e de todos os estados de nosso país. Em conseqüência da deliberação da I Conferência, o Governo Federal criou, em 2005, uma comissão tripartite com a finalidade de discutir o tema, que culminou com a apresentação ao Congresso Nacional de um projeto de lei para a legalização do aborto no país. A II Conferência deliberou por unanimidade que o Governo encampasse esse projeto e disputasse a sua aprovação.

Vários países do mundo vêm dando importantes passos nesse sentido, como México, Portugal, Uruguai e outros, e têm contribuído para evitar à morte de muitas mulheres, em especial, das pobres e negras.

O Ministro da Saúde, na busca de atender às demandas e resoluções aprovadas nas conferências nacionais, tem defendido que esse tema deve ser tratado como uma questão de saúde pública. Assim sendo, o Estado tem como responsabilidade implementar ações e políticas que facilitem o acesso a todos os métodos contraceptivos e o direito de decidir sobre a interrupção da gravidez, sendo acolhida e atendida no SUS, de forma a garantir seus direitos e sua autonomia.

A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres tem buscado construir as condições, através de diversas ações em diferentes áreas, para que as propostas aprovadas na conferência sejam implementadas no país.

Não aceitaremos que ocorram situações como a observada no estado do Mato Grosso do Sul, onde mulheres estão sendo perseguidas e condenadas por terem recorrido ao aborto. As mulheres não precisam de punição. As mulheres precisam de políticas públicas que lhes assegurem atenção integral à saúde, precisam de acesso a métodos contraceptivos e da garantia de autonomia econômica e sobre sua própria vida, a fim de tomarem decisões importantes como se querem ou não ser mães e quando. Assim, a CPI proposta vem no sentido de acentuar a humilhação e perseguição das mulheres que já vimos acompanhando no Mato Grosso do Sul.

Não é de hoje que o tema do aborto é debatido no Brasil e no mundo. Não é de hoje que temos conhecimento da morte de milhares de mulheres em decorrência de abortos clandestinos. Numa sociedade desigual e injusta, as mulheres que mais morrem são as mulheres pobres e negras.

Não é de hoje que muitas mulheres sofrem violência sexual por parte de seus companheiros, maridos, namorados ou desconhecidos, e correm o risco de serem julgadas criminosas por interromper uma gravidez não desejada, não planejada, não consentida, já que os retrógrados apresentam iniciativas para restringir ainda mais o direito ao aborto seguro, garantido por lei nos casos citados (gravidez resultante de estupro).

Não é de hoje que as mulheres são oprimidas, que seu corpo e sua sexualidade são instrumentos de perpetuação dessa opressão, desrespeito e desigualdade.

Não é de hoje que os direitos das mulheres são desrespeitados porque “alguns senhores” se acham no direito, devido a sua crença, moral ou religião, de impor decisões sobre a vida das mulheres.

Não é de hoje que defendemos um Estado laico, democrático e que assegure a universalidade e a diversidade dos direitos dos cidadãos e cidadãs.

Não é de hoje que sabemos que a legalização e descriminalização do aborto não aumentam as estatísticas nos países que já asseguram este direito às mulheres.

Tratar desse tema criminalizando as mulheres, impondo valores religiosos ou morais, é apostar no autoritarismo que queremos que não existam em nossa sociedade.

Queremos um mundo de igualdade, e isso não é possível enquanto as mulheres – jovens, negras, pobres, trabalhadoras, desempregadas – não puderem decidir sobre seu corpo e suas vidas.

O Partido dos Trabalhadores – PT – em seu 3º Congresso Nacional, ao tratar deste tema definiu e provou a seguinte resolução: “defesa da autodeterminação das mulheres, da descriminalização do aborto e regulamentação do atendimento a todos os casos no serviço público evitando assim a gravidez não desejada e a morte de centenas de mulheres, na sua maioria pobres e negras, em decorrência do aborto clandestino e da falta de responsabilidade do Estado no atendimento adequado às mulheres que assim optarem.”

Por isso, nós, mulheres e homens, do Partido dos Trabalhadores, somos contrários/as a esta CPI e reafirmamos nosso compromisso de luta pela descriminalização do aborto e em defesa da igualdade e autonomia das mulheres sobre seu corpo e sua vida.

Secretaria Nacional de Mulheres do PT

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Outra pérola do machismo

Um dirigente do futebol carioca, o Sr. Roberto Horcades, presidente do Fluminense, proferiu a pérola das pérolas da semana. Pra fechar bem o ano, depois de ter sido seriamente ameaçado pelo rebaixamento no Campeonato Brasileiro.

Ele quis exaltar a capacidade do técnico René Simões afirmando que ele levou à medalha de prata olímpica “mulheres com 2 neurônios”.

Um nojo haver alguém no mundo, ainda mais um dirigente público de alguma coisa, que expresse tão impunemente o diacho do machismo, contido em uma desqualificação tão vil das mulheres. Um nojo que não haja conseqüência concreta para alguém que fala uma abobrinha dessas (agora eu é que desqualifiquei a pobre da abobrinha).

O futebol feminino brasileiro dispensa apresentações. A despeito da falta de incentivo, de divulgação, a despeito da desvalorização que lhe impõem, as mulheres do Brasil foram vice-campeãs olímpicas duas vezes, e teve sua principal jogadora reverenciada como a melhor do mundo. No mínimo, é um crime atribuir a vitória de uma equipe como essa ao técnico que as dirige, pelo fato de ele ser um homem. É um crime roubar delas o brilho daquilo que elas conquistaram, apesar de todos os obstáculos que um esporte cujos cartolas são todos homens colocam diante delas. É um crime contra todas as mulheres do Brasil. É um nojo. Não pode ficar impune, assim.

Produto do mesmo machismo que faz com que as mulheres tenham salários menores que os dos homens, quando desempenham trabalhos iguais. É o mesmo machismo que expõe as mulheres como produtos comercializáveis na TV, e que faz com que haja tão poucas mulheres deputadas, senadoras. O mesmíssimo machismo que tá na base da violência contra a mulher e na criminalização do aborto.

Não dá pra aceitar como “gafe”. Muito menos como “brincadeirinha”. Como eu costumo dizer, já passamos da idade de achar que palavras são abstratas.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Repúdio!

Moção de Repudio a criação da CPI (comissão parlamentar de inquérito) para investigação do aborto clandestino no Brasil.

Centenas de mulheres no Brasil estão sendo perseguidas, humilhadas e condenadas por recorrerem à prática do aborto. Isso ocorre porque ainda temos uma legislação do século passado - 1940 -, que criminaliza a mulher e quem a ajudar.

A criminalização do aborto condena as mulheres a um caminho de clandestinidade, ao qual se associam graves perigos para as suas vidas, saúde física e psíquica, e não contribui para reduzir este grave problema de saúde pública.

As mulheres pobres, negras e jovens, do campo e da periferia das cidades, são as que mais sofrem com a criminalização. São estas que recorrem a clínicas clandestinas e a outros meios precários e inseguros, uma vez que não podem pagar pelo serviço clandestino na rede privada, que cobra altíssimos preços, nem podem viajar a países onde o aborto é legalizado, opções seguras para as mulheres ricas.

A estratégia dos setores ultraconservadores, religiosos, intensificada desde o final da década de 1990, tem sido o "estouro" de clínicas clandestinas que fazem aborto. Os objetivos destes setores conservadores são punir as mulheres e levá-las à prisão. Em diferentes Estados, os Ministérios Públicos, ao invés de garantirem a proteção das cidadãs, têm investido esforços na perseguição e investigação de mulheres que recorreram à prática do aborto. Fichas e prontuários médicos de clínicas privadas que fazem procedimento de aborto foram recolhidos, numa evidente disposição de aterrorizar e criminalizar as mulheres. No caso do Mato Grosso do Sul, foram quase 10 mil mulheres ameaçadas de indiciamento; algumas já foram processadas e punidas com a obrigação de fazer trabalhos em creches, cuidando de bebês, num flagrante ato de violência psicológica contra estas mulheres.

A estas ações efetuadas pelo Judiciário somam-se os maus-tratos e humilhação que as mulheres sofrem em hospitais quando, em processo de abortamento, procuram atendimento. Neste mesmo contexto, o Congresso Nacional aproveita para arrancar manchetes de jornais com projetos de lei que criminalizam cada vez mais as mulheres.

E para piorar ainda mais a situação das mulheres, no último dia 09 de dezembro, véspera do dia internacional dos Direitos Humanos, a mesa diretora da Câmara dos Deputados criou uma CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a pratica do aborto clandestino no Brasil.

Nós, sujeitas(os) políticas(os), movimentos sociais, organizações políticas, lutadores e lutadoras sociais e pelos direitos humanos, reunidos nesta Cúpula dos Povos repudiamos a criação dessa CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito que penalizará ainda mais as mulheres pobres e negras e exigimos o arquivamento da mesma por entender que a criminalização das mulheres e de todas as lutas libertárias é mais uma expressão do contexto reacionário, criado e sustentado pelo patriarcado capitalista globalizado em associação com setores religiosos fundamentalistas.

Ao invés de punição, nós propomos uma política pública integral de saúde que favoreça a mulheres e homens a adotarem um comportamento preventivo, que promova de forma universal o acesso a todos os meios de proteção à saúde, de concepção e anticoncepção, sem coerção e com respeito.

Nas Américas nenhuma mulher deve ser presa, maltratada ou humilhada por ter feito aborto!Dignidade, autonomia, cidadania para as mulheres!Pelo fim da criminalização das e pela legalização do aborto!

Cúpula dos Povos do Sul.
Salvador-Bahia, dezembro 2008.




***
Sugiro a quem se indignou tanto quanto eu com a história da "CPI do Aborto", que traduza esse repúdio em palavras a serem enviadas ao presidente da Câmara: arlindochinaglia@camara.gov.br. E não esqueçam de anexar cópia para a Secretaria Geral do PT: sgn@pt.org.br.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Conclusão

Cheguei à conclusão de que, sobre o post anterior, a combinação das duas idéias ali expostas não é nada contraditória, na verdade. Articuladas, até que elas dão conta de explicar alguma coisa sobre o amor nos tempos do cólera...

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Diferentes olhares sobre os finais

Uma vez, um grande e maravilhoso amigo me deu sua concepção de relacionamento (um método para entender a sua manutenção, no mínimo): “Se ela não fizer nada, como é que eu vou deixar de gostar dela?”.

É uma idéia de que o amor, o romance, ele se desenvolve na inércia quase. E depende muito mais das duas pessoas envolvidas, em si, do que de um conjunto de fatores externos que possam interferir. Se você não tiver um grande e bom motivo, e que, normalmente, é dado pela pessoa amada, por que se desligar? Por que o amor acabaria?

Outro dia, escutei outra filosofia. Que vai no sentido oposto, não de justificar a permanência, mas de justificar os términos. E é oposta também porque entende que a relação é sempre muito influenciada por contextos sociais, formas hegemônicas de olhar o amor, o mundo e a vida. São opostas. A querida amiga dizia: “Ale, eu não conheço ninguém, da nossa geração, que está contente com o que tem. Todo mundo sempre tá insatisfeito, querendo mais”.

Será que são capazes de se combinar, as duas idéias? Fica aí, pra quem quiser aprofundar.

CUT condena a iniciativa de instalação da CPI do aborto

(nota da CUT sobre a bizarrice de que falamos nos últimos 2 dias neste blog)

A notícia de que a Câmara Federal está prestes a instaurar uma "CPI do Aborto" nos causa surpresa e indignação.

Há poucos meses, na Comissão de Seguridade Social e Família desta Casa, os mesmos parlamentares que ora apresentam o requerimento para instauração desta CPI, furtaram-se em aprofundar o debate acerca do tema e orquestraram a votação que derrotou, naquela Comissão, o Projeto de Lei que propunha a descriminalizaçã o do aborto (PL 1.135/91). Já faz alguns meses também, que a Justiça do Mato Grosso do Sul vem investigando mais de 1.200 mulheres, acusadas pela prática de aborto ilegal naquele estado.

Que esses fatos devam ser objeto de interesse e ação do Poder Legislativo, não resta dúvida.

Para além das 400 mil mortes anuais e dos inúmeros atendimentos realizados pelo SUS em decorrência de abortos mal sucedidos, a criminalização das mulheres, que estão tendo suas vidas devassadas pela ação do Poder Judiciário, constituem sim base material para que o Estado Brasileiro realize uma profunda reflexão sobre o papel que deveria cumprir na vida dessas mulheres.

Poderíamos começar realizando um profundo diagnóstico dos sistemas de saúde pública, educação e previdência, para entender por que a maioria das mulheres brasileiras não tem condições de decidir ou planejar uma gravidez, e para avaliar até onde o Estado tem assumido sua cota de responsabilidade na reprodução da vida, para que as mulheres possam optar pela maternidade sem precisar abrir mão de outros projetos pessoais.

Poderíamos também aprofundar o debate sobre o necessário enfrentamento à desigualdade de gênero e à violência doméstica, que expõem as mulheres à gravidez indesejada.

E, principalmente, deveríamos retomar o princípio da laicidade do Estado, para que o diagnóstico e a solução desse grave problema social não sejam contaminados por convicções morais ou religiosas.

É preciso sim que o Brasil reconheça a existência da prática de aborto em nosso país, mas que questione as causas que vieram a configurar essa dura realidade e apresente uma solução. A condenação de mulheres que praticaram aborto só causará mais mortes.

A maternidade implica muitas mudanças no aspecto físico e emocional da gestante, e em seu projeto de vida naquele momento. Por isso, a gravidez não pode ser imposição, castigo ou obrigação; deve ser uma decisão da mulher. Ainda neste ponto, cabe questionar o porquê de a responsabilidade paterna ser tão pouco abordada nos tradicionais debates sobre a questão.

Há tempos exigimos que as mulheres tenham atendimento integral à sua saúde, o que exigirá também mudanças no mundo do trabalho, pois o envolvimento das empresas com esse compromisso será essencial para as trabalhadoras. A interrupção de uma gravidez é uma circunstância altamente desconfortável e, muitas vezes, traumática para as mulheres.

Defender a legalização do aborto não significa, portanto, que as mulheres pretendam recorrer à sua prática como método contraceptivo. Trata-se de combinar a legalização do aborto com a ampliação do acesso das mulheres à informação, aos métodos contraceptivos e de criar condições para que elas negociem o uso de preservativos com seus companheiros de forma tranqüila, o que, muitas vezes, não ocorre. A interrupção da gravidez indesejada deve ser o último recurso. Em diversos países onde houve a legalização, os números provam que os casos de aborto não aumentam por conta da situação de legalidade.

Estamos falando, aqui, de um mecanismo de direito de liberdade da mulher sobre seu próprio corpo. Nossa vida está em constante risco pelo fato fundamental de sermos mulheres. Trata-se de construir um mundo de igualdade, o que não é possível enquanto existir tantas mulheres trabalhadoras, desempregadas, pobres, negras, jovens morrendo ou sendo presas por não terem direito de decidir sobre seus próprios corpos e seu destino.

A criminalização de um assunto que levanta questões tão polêmicas leva a um tipo de autoritarismo e fundamentalismo que não fazem bem a uma sociedade democrática e pluralista. Enquanto o mundo discute a questão do aborto sob a ótica civilizatória e democrática, o Parlamento brasileiro discuti-lo sob a ótica criminal, através de uma CPI, seria um retrocesso inaceitável após 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e 20 anos de Constituição Cidadã no Brasil.

Por isso, nós, homens e mulheres da classe trabalhadora, rechaçamos com veemência a proposta de instauração desta CPI e reafirmamos nosso compromisso de luta pela legalização do aborto, em defesa de uma vida mais digna e de um mundo mais justo para todos e todas.
São Paulo, 11 de dezembro de 2008

Artur Henrique, presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores
Rosane da Silva, secretária nacional sobre a Mulher Trabalhadora

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Essa hipocrisia dá hemorragia!

“CPI do Aborto” parece brincadeira de mau gosto. Vem do Bassuma, aquele deputado que é contra as mulheres, que parece que elege as mulheres como inimigas número um. Ele quer vê-las na cadeia, como criminosas, por terem cometido o terrível equívoco de tomar para si as rédeas de seu corpo e de sua vida. Ele se esquece de que o Estado é laico, que as pessoas têm direito de ter ou de não ter crenças e de que ele não pode impor sua fé religiosa sobre todos e todas.

Tem gente que não crê em Deus, não teme a Deus, nada disso. Tem gente que tem outro Deus. Tem gente que até tem o mesmo Deus, mas o cultua de outro jeito, e o interpreta de outras maneiras. Tem gente que tem mais de um Deus! E os Deuses das pessoas nem sempre têm a mesma opinião sobre todos os assuntos...

E todo mundo tem que ter seus direitos preservados. E os princípios religiosos de alguns não podem orientar a vida de todos(as), muito menos determinar os princípios das políticas de Estado.

O Bassuma, ao propor essa CPI, está, de novo, atropelando uma resolução do Partido dos Trabalhadores – a que posiciona o partido a favor da descriminalização do aborto e da regulamentação do atendimento de todos os casos no SUS. Por essa razão, ele já estava na comissão de ética do partido. A situação está ficando mais feia. As mulheres do PT seguem em luta para garantir a coerência do PT.

Quem quiser contribuir com a coerência do PT, pode registrar seu repúdio à ação do deputado Bassuma através do endereço eletrônico: sgn@pt.org.br.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

CPI???

E agora vêm me dizer que estão propondo uma CPI pra criminalizar as mulheres que praticaram aborto?! E não vão investigar a TVA e todo o escândalo que são as telecomunicações no Brasil? Eu pouparia - claro! - o Temporão pra colocar o Hélio Costa na roda. Eu pouparia - evidente! - as mulheres pra desnudar a hipocrisia que organiza as relações políticas no Congresso Nacional, e que orienta uma porção de discursos contraditórios na nossa sociedade.

Depois eu escrevo mais sobre o assunto. Daqui de Porto Alegre, periga de o pôr-do-sol do Guaíba amenizar a minha indignação.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A cidade que mora em mim

O MAPA

(Mário Quintana)

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...

(É nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada

Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...



***
Porto Alegre é encantadora.

Pra quem não sabe, o Guaíba não é um rio, é um lago. Enorme. É onde o sol vai descansar depois de brilhar intensamente o dia todo. E o povo de Porto Alegre costuma ir assistir ao espetáculo que ele dá quando cai até adormecer no lago. Dá vontade de aplaudir. Como diz o texto de "Beleza Americana": quem vai se deixar levar pelos males se há tanta beleza no mundo?

A foto não é minha. Mas em breve meu olhar sobre Porto Alegre estará aqui. De muitas formas, se a inspiração permitir. Ela tem estado ao meu lado ultimamente. A incerteza é inspiradora. Mas não tanto quando a beleza que há no mundo.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A violência legitimada em horário nobre

A Rede Globo deu mais um show, ontem, de agressão às mulheres. No sentido figurado, quando constrangeu as mulheres que acompanham a sua programação. No sentido literal, quando espancou a personagem de Helena Ranaldi na novela “A favorita”, através das mãos do marido dela.

A personagem é pega no flagra pela segunda vez. Mantém um relacionamento paralelo com o amigo do marido. É tratada pelo amante como prostituta, é tratada pelo marido como uma daquelas infiéis do final do século retrasado. O amante, claro, só está respondendo a impulsos sexuais que um homem não é capaz de controlar. A infiel, claro, é a provocadora, a maculada, a culpada.

Ontem, ela apanhou em praça pública, sob os olhares da população da cidade onde o marido é prefeito. Os olhares eram de aprovação à conduta dele, isso de lavar sua honra dando-lhe uns bons tabefes. Certamente ele vai recuperar sua popularidade perdida.

No início da novela, o prefeito Elias aparecia como um cara meio de esquerda, que derrotou um deputado corrupto na eleição municipal. A trama se desenrolou assim. Espero que a Dedina, no capítulo de hoje, recorra à Lei Maria da Penha. Porque ver a principal emissora de TV legitimar assim a violência contra a mulher, dói. No sentido literal e no figurado.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Presidente do Uruguai deixa Partido Socialista

O presidente uruguaio, Tabaré Vazquez, deixou o Partido Socialista, do qual fazia parte desde 1983.

O pivô do desligamento foi o projeto que descriminalizaria o aborto no país, seguindo o que se sucedeu em Portugal e na Cidade do México. O projeto foi aprovado pelo Parlamento e vetado pelo presidente. Em seguida, os integrantes do Partido Socialista na Assembléia Geral uruguaia se articularam pela derrubada do veto, o que irritou Vazquez. A Igreja Católica atuou com força total no episódio, fato estranho á tradição laica do país, e ameaçou de excomunhão aqueles que votassem em defesa do projeto. Vale destacar que 60% da população uruguaia é favorável à medida.

Claro que há outras questões envolvidas no afastamento de Vazquez do Partido Socialista. Mas fica claro também que a legalização do aborto é uma bandeira da esquerda (podendo-se ampliar para além dela), que defende a autonomia das mulheres sobre seu próprio corpo, a laicidade do Estado e o direito das mulheres de não serem presas por recorrerem a essa prática no caso de uma gravidez indesejada ou de risco.

Os socialistas conquistaram maioria pela derrubada do veto. Mas não atingiram a maioria qualificada (2/3). Portanto, com os votos dos conservadores dos partidos Blanco e Colorado, o veto presidencial foi mantido.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

E por falar nisso...

Fiquei sabendo que, lá em Caxias do Sul, o prefeio Sartori (PMDB) localiza as políticas para mulheres na pasta de Segurança Pública. E mais: de juventude também. Pior ainda: de igualdade racial também.

Discordo profundamente das gestões que associam as políticas para mulheres, juventude e negros e negras em espaços como Assistência Social ou Direitos Humanos. Porque isso já dá dimensão da forma como esse governo olha para esses segmentos. Mas imagina só! Segurança Pública e Proteção Social??? Essa foi demais.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Um homem dirigindo as políticas para as mulheres

O prefeito Gilberto Kassab convidou o deputado José Aristodemo Pinotti para dirigir a Secretaria Especial da Mulher, que será criada para o próximo governo.

Ponto 1: que bom que haverá uma secretaria! É reivindicação das mulheres que haja um organismo de governo com autonomia política e orçamentária para elaborar, articular e implementar políticas públicas para as mulheres em todos os níveis.

A criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres no Governo Lula foi uma importante vitória das feministas do PT. Do mesmo modo, a última gestão petista na cidade, com Marta, teve no trabalho da Coordenadoria Especial da Mulher uma referência para o país inteiro no combate às desigualdades através de políticas públicas para a construção de autonomia das mulheres. Aliás, pena que Marta não falou sobre isso na última campanha.

Serra e Kassab, ao assumir a prefeitura, retiraram importância política e orçamento da Coordenadoria. Jogaram-na numa tal de “Secretaria de Participação e Parceria” e o resultado que têm para mostrar é quase nulo.

Ponto 2: um homem conduzindo uma Secretaria de Mulheres? Só pode ser piada. Olhem o significado simbólico que tem uma indicação com essas características. Um homem, médico, ginecologista, deputado do DEM. Responsável por produzir políticas para as mulheres. Políticas essas que devem visar à construção da autonomia das mulheres, à construção da igualdade entre homens e mulheres, ao combate ao machismo ainda tão marcadamente presente. As mulheres não precisam de mais clientelismo e demagogia. Não precisam de mais um “cuidador”.

As mulheres precisam é ter direito a viver livres de violência sexista. Precisam de creches, de inserção no mercado de trabalho, de atenção integral à sua saúde (não só ao seu útero), de educação não sexista, de participação política! As mulheres devem protagonizar essas políticas, conduzir seu próprio caminho rumo à transformação, ao enfrentamento da desigualdade.

Estranho que quem vai elaborar e executar essas políticas não seja uma de nós, que sabe o que é ser mulher neste mundo de homens.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

PT precisa se revigorar

Começo a semana não escrevendo... mas presenteio quem passear por aqui com mais um texto de Emir Sader, desta vez, analisando o PT.


PT envelheceu internamente e precisa se revigorar

Emir Sader

O PT foi a maior esperança da esquerda brasileira – e talvez mundial, em um momento de esgotamento da esquerda tradicional. Depois de mais de duas décadas de existência, desembocou no governo Lula que, medido pela imagem ideológica que o partido tinha na sua fundação ou que exibiu na sua primeira década de vida, seria irreconhecível.

Não se trata agora de fazer uma breve história do partido e saber onde aquele fio original foi cortado e outro perfil foi se desenhando. Certamente ele tem a ver com a projeção da imagem de Lula, por cima e, de certa forma, de maneira independente do partido. Trata-se agora de tentar entender a situação em que se encontra o partido – paradoxalmente com um perfil político extremamente baixo, quando Lula exibe níveis recordes de apoio, de 80%. Em suma, o sucesso do governo não é o sucesso do PT, que ainda não saiu das duas crises que o envolveram nos últimos anos.

O PT sofreu dois duros golpes desde a vitória de Lula, em 2002. O primeiro, o perfil assumido pelo governo, com Palocci funcionando quase como um primeiro-ministro e impondo uma hegemonia neoliberal e continuísta ao governo. Tal como havia se configurado na parte final e decisiva da campanha eleitoral, se constituiu em torno de Lula um núcleo dirigente do governo, que tinha em dois dos arquitetos da vitória – Palocci, com a Carta aos Brasileiros, e Duda, com o “Lulinha, paz e amor” -, referências fundamentais.

Palocci dava a linha geral, manejava os recursos, impunha – até mesmo a Lula – o discurso geral do governo. O PT presenciou tudo isso, ferido pela crise de expulsão e posterior saída de outros de seus membros, impotente. Não conseguir defender a reforma da previdência, que atentava contra tudo o que havia defendido, nem as orientações econômicas do duo Palocci-Meirelles, se defendia das posições de ultra-esquerda, que prenunciavam um caminho de isolamento, sectarismo e derrota.

Pouco tempo depois, quando o governo ainda não decolava, veio a chamada “crise do mensalão”, em um momento em que o partido ainda não tinha se refeito da primeira crise. Foram os piores anos da história do PT – 2003-2005. A imagem do partido foi revertida de partido ético, da transparência, para partido vinculado a negociatas e à corrupção, uma reversão da qual não conseguiu e dificilmente conseguirá sair. Apesar das eleições internas, que recuperaram um pouco da auto-estima, sem forjar uma nova direção com capacidade de redefinir o papel do PT e suas relações com o governo.

Lula e o governo se safaram da crise a partir dos efeitos das políticas sociais que se fortaleceram com as mudanças dentro do governo – especialmente a queda de Palocci e o enfraquecimento das suas orientações dentro do governo – e com o papel dinâmico que Dilma Rouseff passou a imprimir nas ações governamentais.

Mas, de alguma maneira o governo se safou com a crise exportada para o PT. A imagem que ficou foi a de que “os petistas” haviam cometido graves erros, que quase comprometeram irremediavelmente o governo Lula. E as acusações sobre José Dirceu e sobre os principais dirigentes partidários confirmavam essa versão. E o baixo perfil das direções posteriores, tanto a que foi eleita no PED, quanto posteriormente pelo Congresso, foram na mesma direção, pelo baixo perfil dessas direções, pela falta de capacidade de iniciativa política e de mobilização da própria militância do PT.

O Congresso, ao invés de um grande balanço do primeiro governo de esquerda, conquistado ao longo das lutas de toda a história do PT, acabou sendo mais um acerto de contas entre as tendências sobre a crise do partido. Críticas à política econômica reafirmaram certo grau de independência diante do governo, mas em geral a avaliação deste e, sobretudo, as propostas para o segundo governo, não foram o centro do Congresso, desperdiçado para recuperar a capacidade de ação do PT.

No entanto, os problemas vêm de mais atrás e são mais profundos. A via moderada escolhida pelo PT já se assentava numa perda do peso da militância jovem e da militância social, marcante já no Congresso de 2000, realizado em Pernambuco. O partido perdeu capacidade de empolgar e mobilizar os que lutam ou poderiam ser despertados para a luta por um outro país, por “um outro mundo possível”. Uma parte destes trabalham em torno do MST ou de outros movimentos sociais, outros permanecem no PT, mas sem ímpeto de ação. O envelhecimento interno do partido é óbvio, não apenas na idade dos seus membros, mas também na falta de idéias, de criatividade, de alegria, de encarar os novos desafios com um rico e pluralista debate interno.

É como se o PT estivesse ainda sofrendo os efeitos de uma quase morte da experiência de governo, tivesse se safado por pouco, mas tivesse exaurido suas energias na sobrevivência, não voltando a ganhar ímpeto, criatividade, iniciativa, capacidade de liderança e, principalmente, de mobilização de novas camadas.A elaboração de uma plataforma pós-neoliberal e o apoio decidido à organização das bases sociais pobres que apóiam substancialmente ao governo Lula – se constituem nas duas maiores tarefas que o PT tem que enfrentar, para se renovar, se revigorar.

Encarar frontalmente o tema da plataforma com que vai lutar para o governo posterior ao de Lula e recompor suas bases sociais de apoio, na direção das grande massas do nordeste e das periferias das grandes metrópoles – onde residem os imensos bolsões de pobreza beneficiados pelas políticas sociais do governo – para reconquistar energia, capacidade de luta, de mobilização.

Porque o impulso inicial, o que deu vida ao PT e desembocou no governo Lula, se esgotou. O dinamismo, a referência hoje está no governo e não no PT. Este precisa revigorar-se social e ideologicamente, para voltar a desempenhar um papel importante no campo político e ideológico do país, que tem na conjuntura já aberta da sucessão presidencial a maior das suas batalhas contemporâneas. É uma nova grande possibilidade para o PT, onde se disputa o futuro do Brasil na primeira metade do século – na consolidação, correção de rumos, aprofundamento das linhas progressistas do governo atual ou no catastrófico retorno do bloco de direita ao governo.

O papel do PT será essencial se assumir a luta pelo cumprimento desses dois objetivos essenciais: formulação da plataforma pós-neoliberal para a campanha de 2010 e trabalho duro na organização das grandes camadas pobres que dão sustentação ao governo Lula.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Uma resposta ao Estadão

Só pra não se perder.
Abaixo, a nota que enviei ao Estadão, há pouco mais de um mês, quando eles publicizaram aquela infeliz enquete que queria saber se programa de governo para as mulheres era vai-e-volta do shopping center ou bolsa-manicure. Um baixo nível digno de jornaleco de quinta categoria né. Mas era o Estadão.

Carta aos editores da página eletrônica Estadão.
Em 23/10/2008.

Uma lástima.

Não há outra palavra para definir a infeliz “enquete” promovida pela página eletrônica do Estadão. A referida iniciativa rotula as mulheres como fúteis, vazias, “burras”, com preocupação exclusiva com sua aparência – posição cultuada pela própria mídia, que expõe os corpos das mulheres como se fossem produtos a serem comprados e vendidos ou como se as mulheres só tivessem valor de acordo com a aceitação da sua aparência. A tal “enquete” é, portanto, mais uma demonstração de machismo da imprensa brasileira, na esteira de uma série de recentes ações similares.

Em primeiro lugar, eleição é coisa séria. As mulheres são 53,4% dos eleitores de São Paulo, e devem escolher seu candidato ou candidata a partir de um programa de governo e da trajetória política de cada um(a). Merecem o respeito do Estadão.

Demanda por políticas públicas é o que não falta entre as mulheres, que vivenciam a opressão e a discriminação todos os dias, refletida, inclusive, em ações (ou não ações) do Estado que deveria trabalhar para enfrentar a desigualdade. As mulheres ganham menos que os homens por mesmo trabalho, mesmo tendo mais tempo de escolaridade. Muitas mulheres ainda sofrem violência doméstica e sexual todos os dias na nossa cidade. As mulheres ainda cumprem dupla jornada, sendo responsabilizadas pelo trabalho doméstico e de cuidados, sem ganhar nada por isso, como se fosse sua pura e simples obrigação. E depois de tudo isso, ainda têm sido tratadas pela Prefeitura como se esta nada lhes devesse além de demagogia. E são tratadas pela imprensa como figuras fúteis, esteriotipadas e apolíticas, sem demanda por políticas públicas e sem interesse em cuidar de sua própria cidade e de sua própria vida.

Apresentando uma enquete como a referida, o Estadão presta um desserviço às mulheres de São Paulo, deslegitimando suas demandas e ironizando sua capacidade de interferir na realidade. Nada mais ofensivo.

As mulheres querem creches, querem políticas efetivas de combate à violência, de construção da autonomia, de inserção qualificada no mercado de trabalho. As mulheres querem saúde, inclusive quando não são mães. As mulheres querem acesso a educação de qualidade, a transporte público, a cultura e lazer. Enfim. As mulheres querem ser tratadas de igual pra igual. Sem preconceitos de nenhuma ordem.

Alessandra Terribili
Vice-presidenta municipal do PT
Integrante da Secretaria Nacional de Mulheres do PT
Militante da Marcha Mundial das Mulheres

A triste política que se faz na Câmara Municipal de São Paulo - parte II

A primeira derrota de Kassab na Câmara desde que se reelegeu, e, aliás, desde mais de um ano atrás, se deu por ação do chamado “centrão”.

O “centrão” é composto por um grupo de parlamentares que se caracterizam por agir meio como base governista, meio sem princípios político-ideológicos, meio a fim mesmo é de desfrutar dos benefícios que o poder traz. É por isso que mantêm uma relação dúbia com o poder executivo, e raramente seguem uma linha coerente de intervenção na Câmara Municipal.

Pois é, nesta semana, em que as negociações para a composição do novo governo de Kassab estão a todo vapor, eles decidiram votar contra o prefeito. O projeto era do PT, do vereador Antônio Donato, um decreto legislativo que derruba uma portaria do executivo. O conteúdo: a prefeitura queria regularizar a situação de 116 flats na cidade de uma tacada só.

A prefeitura está, mais uma vez, do lado em que sempre esteve. Parece que boa parte desses flats, definidos como “imóveis de uso residencial com serviços”, operavam de fato como rede hoteleira. Acontece que o plano diretor da cidade determina em que regiões hotéis podem se instalar. E a fiscalização de hotéis é diferente da fiscalização de imóveis residenciais. Olha o abacaxi.

O “centrão” mesmo não está preocupado com isso. Na Folha de S. Paulo de hoje, expoentes seus afirmam que “quando são afrontados, têm que reagir”. Avaliam que o poder executivo afrontou o legislativo, pois uma situação como essa não se resolve na canetada. E que votar a favor do projeto do PT significava, para eles, garantir a independência do legislativo. Nem uma frase sobre o conteúdo dos projetos. Vai saber o que eles vão fazer depois, na hora H da definição. Desse projeto e da composição do governo.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Direito à memória e à verdade

Muito se tem falado sobre tortura ultimamente, e a Lei da Anistia, de 1979, está de volta à agenda pública. Esta tem sido evocada por integrantes do Governo Federal que entendem que o crime de tortura é imprescritível, e portanto, torturadores não podem ser considerados anistiados pelo que promoveram e executaram nos duros anos de chumbo.

Um episódio emblemático é a luta judicial que a família Teles, casal e dois filhos (que eram pequenos à época em que os pais foram submetidos a tortura por serem opositores do regime), moveu contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi de São Paulo entre 1970 e 1974. O coronel foi declarado torturador publicamente.

Presenciei, certa vez, uma audiência da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, dentro da Caravana da Anistia, que declarou anistiado Flávio Koutzii, ex-deputado estadual e dirigente do PT do Rio Grande do Sul.

Tive a felicidade de estar em Caxias do Sul naquele 17 de julho. O auditório “improvisado” no ginásio da Universidade estava lotado por estudantes de Direito do Brasil inteiro e militantes gaúchos que se dirigiram até lá para acompanhar a audiência. Um dos casos a serem apreciados seria o do ex-deputado, muito conhecido no estado e respeitado pelo seu histórico de lutas em defesa do povo, da liberdade, do socialismo. Um grande militante.

A comissão relatou o caso de Koutzii, e, em seguida, homenageou, na pessoa dele (foi assim que entendi) todos aqueles grandes homens e grandes mulheres que dedicaram sua juventude e sua vida a enfrentar o autoritarismo dos que negam ao povo o direito à igualdade. Muitos tombaram. Muitos desistiram. E muitos aqui estão para contar essa história, e mais do que isso, para continuar escrevendo-a. Koutzii é um desses.

Koutzii se emocionou quando teve direito à palavra. Homenageou seus companheiros e companheiras, reafirmou os ideais que o moveram naquele período, e que fazem sentido até hoje, garantindo sua militância. Ao final de um belo discurso que declarou Koutzii anistiado, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, falou isso: “O Estado brasileiro lhe pede desculpas”.

Eu me emocionei umas 10 vezes ao assistir aquilo. Mas até hoje eu me arrepio ao lembrar dessa frase. “O Estado brasileiro lhe pede desculpas”. Por tê-lo torturado, por ter-lhe roubado preciosos anos de sua juventude, por ter-lhe caçado o direito à voz, ao exercício pleno de seus direitos – e à luta plena para que eles sejam ampliados até que exista igualdade, democracia e justiça de verdade. Flávio Koutzii é um grande homem. Sinto-me honrada fazer parte do mesmo partido que ele ajudou a fundar e onde milita até hoje, apesar dos percalços e da vontade de desistir que sempre vem. E sempre é superada. Porque, desculpem a pieguice, mas a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar. E ela ainda tem muito o que fazer por aqui.

DICA DE EVENTO:
Ato Público na Alesp: Direito à Memória e à Verdade
A tortura e desaparecimento de militantes políticos praticados por agentes do estado são crimes de lesa humanidade e, portanto, imprescritíveis e não passiveis de anistia. Julgar estes crimes praticados durante a ditadura militar 1964-1985 é um passo importante para que a justiça de transição seja feita em nosso país, no sentido de afirmar: Terrorismo de Estado, Nunca Mais!
PELA ABERTURA DOS ARQUIVOS MILITARES.
PELA LOCALIZAÇÃO DOS CORPOS DOS DESAPARECIDOS POLÍTICOS.
PELA RESPONSABILIZAÇÃO DOS CRIMES DE LESA HUMANIDADE.
Data: 1º de dezembro de 2008
Horário: 14h
Local: Auditório Teotônio Vilela - Assembléia Legislativa de São Paulo (Av. Pedro Álvares Cabral, 201, Ibirapuera)
Presença do Ministro Paulo Vannucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos e do Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão.
Realização: mandatos do deputado estadual Simão Pedro e do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O amor de Maiakovski

O AMOR
(Maiakovski)

Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está no retrato sobre a mesa.

Ela é tão bela,
que, por certo,
hão de ressuscitá-la.

Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame de mil nadas,
que dilaceravam o coração.

Então, de todo amor não terminado
seremos pagos em inumeráveis noites de estrelas.

Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me, nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos, concupiscência, salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado,
mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver livre dos nichos das casas.
Para que doravante a família seja o pai,
pelo menos o Universo;
a mãe,
pelo menos a Terra.

***
Não gostei de não ter postado nada ontem. Mas redimo-me comigo mesma porque estava na Praça do Patriarca, com outras dezenas de mulheres, gritando contra a violência sexista. A manifestação foi linda.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Mulheres na praça amanhã

E só pra lembrar: amanhã (terça, 25/11) é às 15h na Praça do Patriarca. Dia de luta pela não violência contra a mulher.

Política, pra começar a semana

Retirado do blog do Emir Sader.


21/11/2008
A crise da extrema esquerda

Os resultados das eleições municipais vieram corroborar o que o cenário político nacional já permitia ver: o esgotamento do impulso da extrema esquerda, que tinha sido relançada no começo do governo Lula. A votação em torno de 1% de dois dos seus três parlamentares, candidatos a prefeito em São Paulo e no Rio de Janeiro, com votações significativamente menores do que as que tiveram como candidatos a deputados, sem falar na diferença colossal em relação à candidata à presidência, apenas dois anos antes – são a expressão eleitoral, quantitativa, que se estendeu por praticamente todo o país, do esgotamento prematuro de um projeto que se iniciou com uma lógica clara, mas esbarrou cedo em limitações que o levam a um beco difícil, se não houver mudança de rota.

A Carta aos Brasileiros, anunciando que o novo governo não iria romper nenhum compromisso – nesse caso, com o capital financeiro, para bloquear o ataque especulativo, medido pelo “risco Lula” -, a nomeação de Meirelles para o Banco Central e a reforma da previdência como primeira do governo – desenharam o quadro de decepção com o governo Lula, que levaria à saída do PT de setores de esquerda. A orientação assumida pelo governo inicialmente, em que a presença hegemônica de Palocci fazia primar os elementos de continuidade com o governo FHC sobre os de mudança – estes recluídos basicamente na política externa diferenciada e em setores localizados – e a reiteração de um governo estritamente neoliberal davam uma imagem de um governo que era considerado pelos que abandonavam o PT, como irreversivelmente perdido para a esquerda.

O dilema para a esquerda era seguir a luta por um governo anti-neoliberal dentro do PT e do governo ou sair para reagrupar forças e projetar a formação de uma nova agrupação. Naquele momento se cogitou a constituição de um núcleo socialista, dos que permaneciam e dos que saíam do PT, para discutir amplamente os rumos a tomar. Não apenas cabia uma força à esquerda do PT, como se poderia prever que ela seria engrossada por setores amplos, caso a orientação inicial do governo se mantivesse.Dois fatores vieram a alterar esse quadro. O primeiro, a precipitação na fundação de um novo partido – o Psol -, com o primeiro grupo que saiu do PT – em particular a tendência morenista – passando a controlar as estruturas da nova agremiação. Isto não apenas estreitou organizativamente o novo partido, como o levou a posições de ultra-esquerda, responsáveis pelo seu isolamento e sectarização. A candidatura presidencial nas eleições de 2006 agregou um outro elemento ao sectarismo, que já levaria a uma posição de eqüidistância em relação ao governo Lula. O raciocínio predominante foi o de que o governo era o melhor administrador do neoliberalismo, porque além de mantê-lo e consolidá-lo, o fazia dividindo e confundindo a esquerda, neutralizando a amplos setores do movimento de massas. Portanto deveria ser derrotado e destruído, para que uma verdadeira esquerda pudesse surgir.

O governo Lula e o PT passaram a ser os inimigos fundamentais da nova agrupação.Esse elemento favoreceu a aliança – já desenhada no Parlamento, mas consolidada na campanha eleitoral – com a direita – tanto com o bloco tucano-pefelista, como com a mídia oligárquica -, na oposição ao governo e à reeleição de Lula. A projeção midiática benevolente da imagem da candidata do Psol lhe permitia ter mais votos do que os do seu partido, mas comprometia a imagem do partido com uma campanha despolitizada e oportunista, em que a caracterização do governo Lula não se diferenciava daquela feita na campanha do “mensalão”. Como se poderia esperar, apesar de algumas resistências, a posição no segundo turno foi a do voto nulo, isto é, daria igual para o novo partido a vitória do neoliberal duro e puro Alckmin ou de Lula. (Se tornava linha nacional oficial o que já se havia dado nas primeiras eleições em que o Psol participou, as municipais, em que, por exemplo, em Porto Alegre, diante de Raul Pont e Fogaça, no segundo turno, se afirmou que se tratava da nova direita contra a velha direita e se decidiu pelo voto nulo.)

Uma combinação entre sectarismo e oportunismo foi responsável pelo comprometimento da orientação política do novo partido, que o levou a perder a possibilidade de formação de um partido à esquerda do PT, que se aliasse a este nos pontos comuns e lutasse contra nos temas de divergência. O sectarismo levou a que sindicatos saíssem da CUT, sem conseguir se agrupar com outros, enfraquecendo a esquerda da CUT e se dispersando no isolamento. Levou a que os parlamentares do Psol votassem contra o governo em tudo – até mesmo na CPMF – e não apoiassem as políticas corretas do governo – como a política internacional, entre outras. Esta se dá porque o governo brasileiro tem estreita política de alianças com as principais lideranças de esquerda no continente – como as de Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia -, que apóiam o governo Lula, o que desloca completamente posições de ultra-esquerda – que se reproduzem de forma similar a dessa corrente no Brasil nesses países -, deixando de atuar numa dimensão fundamental para a esquerda – a integração continental.

Por outro, o governo Lula passou a outra etapa, com a saída de vários de seus ministros, principalmente Palocci, conseguindo retomar um ciclo expansivo da economia e desenvolvendo efetivas políticas de distribuição de renda, ao mesmo tempo que recolocava o tema do desenvolvimento como central – deslocando o da estabilidade, central para o governo FHC -, avançando na recomposição do aparelho do Estado, melhorando substancialmente o nível do emprego formal, diminuindo o desemprego, entre outros aspetos. A caracterização do governo Lula como expressão consolidada do neoliberalismo, um governo cada vez mais afundado no neoliberalismo – reedição de FHC, de Menem, de Carlos Andrés Perez, de Fujimori, de Sanchez de Losada – se chocava com a realidade. Economistas da extrema esquerda continuaram brigando com a realidade, anunciando catástrofes iminentes, capitulações de toda ordem, tentando resgatar sua equivocada previsão sobre os destinos irreversíveis do governo, tentando reduzir o governo Lula a uma simples continuação do governo FHC, reduzindo as políticas sociais a “assistencialismo”, mas foram sistematicamente desmentidos pela realidade, que levou ao isolamento total dos que pregam essas posições desencontradas com a realidade.

O isolamento dessas posições se refletiu no resultado eleitoral, em que todas as correntes de ultra-esquerda ficaram relegadas à intranscendência política, revelando como estão afastadas da realidade, do sentimento geral do povo, dos problemas que enfrenta o Brasil e a América Latina. As políticas sociais respondem em grande parte pelos 80% de apoio do governo,rejeitado por apenas 8%. Para a direita basta a afirmação do “asisistencialismo” do governo e da desqualificação do povo, que se deixaria corromper por “alguns centavos”, mas a esquerda não pode comprá-la, por reacionária e discriminatória contra os pobres.

Confirmação desse isolamento e de perda de sensibilidade e contato com a realidade é que não se vê nenhum tipo de balanço autocrítico, sequer constatação de derrota da parte da extrema esquerda. Se afirma que se fizeram boas campanhas, não importando os resultados, como se se tratassem de pastores religiosos que pregam no deserto, com a consciência de que representam uma palavra divina, que ainda não foi compreendida pelo povo. (Marx dizia que a pequena burguesia sofre derrotas acachapantes, mas não se autocrítica, não coloca em questão sua orientação, acredita apenas que o povo ainda não está maduro para sua posições, definidas essencialmente como corretas, porque corresponderiam a textos sagrados da teoria.)

Não fazer um balanço das derrotas, não se dar conta do isolamento em que se encontram, da aliança tácita com a direita e das transformações do governo Lula – junto com as da própria realidade econômica e social do país –, da constatação do caráter contraditório do governo Lula, que não deveria ser se inimigo fundamental revelariam a perda de sensibilidade política, o que poderia significar um caminho sem volta para a extrema esquerda. Seria uma pena, porque a esquerda brasileira precisa de uma força mais radical, que se alie ao PT nas coincidências e lute nas divergências, compondo um quadro mais amplo e representativo, combinando aliança a autonomia, que faria bem à esquerda e ao Brasil.

sábado, 22 de novembro de 2008

Mais um

E antes que o dia comece, já vem mais um... não sei de onde essa inspiração de escrever coisas bobas tem me saído ultimamente. Aliás, acho que sei.


O PESSOAL E O GRITO

O pessoal nunca tinha visto
Uma coisa assim
Assim leve, assim boba, assim forte, assim louca
Assim como se o vento pudesse levar
Mas também, como se o fardo não se deixasse carregar
Dá pra entender?

O pessoal achou que era uma voz
Mas não era não.
Era como se fosse um grito na multidão
Que ninguém sabia exato de onde saiu
E na hora que gritaram, ninguém viu.

O pessoal então se intrigou.
Por que gritar se quem ouvir
Não lhe vai encontrar?
Quem gritaria do alto
De uma enorme melancolia nostálgica
Estando lambuzado de glórias de viver?
E que tão curta vida ainda!

O pessoal parou de pensar.
Porque o grito-voz ressurgiu
E encantou a todos que estavam por lá.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

A tempo!

Antes que acabe o dia, um poema bobo...
PS: O nome é em homenagem ao amigo Conrado, que fez essa interpretação-síntese.


A dúvida e a falsa certeza

Eu não gosto de expectativas.
Elas trazem frustração.
O problema é que elas sempre se apropriam de mim,
e fingem que não estão,
quando estão.

Eu fico tentando afogar.
Às vezes, nem percebo que estão lá.
Em desfile e em dança
na minha frente,
esboço um sorriso de esperança,
mas, rapidamente,
tento disfarçar.

Imagino como seria se fosse...
o que eu faria se isso um dia...
Reprimo.
Penso que seria doce,
ou mesmo que me amargaria,
e consolo-me do banho de água fria
sabendo que nada mudará.

Porque mudança dá medo,
desestabilidade.
É como eu olhar pra cidade
e ver o que ela realmente é: grande.
E se isso for,
não sem dor,
eu meço a minha pequenez.
Apenas uma coisa de cada vez.
Como se a vez das coisas as fizessem se enfileirar...

Elas não.
Mas eu, tão pequena,
que haveria de achar,
olhando a centena
de ruas e problemas
que ninguém vai saber onde vão dar.

Minha pequenez na imensidão da cidade... não me permite esperar.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

"Você não samba, mas tem que aplaudir!"

Nestes últimos dias fiquei sabendo de duas histórias lamentáveis envolvendo duas grandes figuras da atual geração do samba carioca.

Zeca Pagodinho vai tocar no “Paulistano”, clube da elite elitíssima abastada e bem-resolvida e auto-suficiente paulistana. Dos Jardins. Não vem ao caso entender por que ele vai lá. Mas dizem que há uma semi-revolta por parte de alguns sócios do clube, que se comunicaram com a direção do mesmo registrando sua opinião de que é um absurdo e de que é descabido receberem o samba de Zeca Pagodinho.

Ele, por sua vez, diz que foi convidado, não se ofereceu, e, portanto, não vai falar sobre a polêmica.

Dudu Nobre foi vítima de racismo dos brabos num vôo de volta dos States. Dois comissários de bordo, pelo que entendi, desrespeitaram profundamente o sambista e sua companheira. Desrespeito desses que não dá pra deixar passar em branco, ou afogar numa cerveja gelada. Desrespeito desses que é com um de nós, e aí, é com todos nós mesmo.

Emblemático do que acontece quando alguém “de fora” adentra o olimpo dos “de dentro”. E tem gente que pensa que não existe ódio de classe. Ou que não existe preconceito, ou que existe pouco. Quem sofre a discriminação sabe o que é isso. E a discriminação dos negros e das negras é racismo, é crime, e tem tudo a ver com ódio de classe também.

E os negros e as negras têm tudo a ver com o nosso samba. Samba tem história, a história do povo. Remete aos que foram escravizados pelos europeus durante mais de 3 séculos. Remete à resistência. Parece alegre, mas muitas vezes é triste. “O samba é a tristeza que balança, e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não”, como disse Vinícius de Moraes. É com essa raiz que o samba vai pros espaços que não são dele, mas que, hoje, são obrigados a aceitá-lo. É com toda essa bagagem cultural que o samba conta a história do povo brasileiro, faz a crônica do seu cotidiano, reivindica a cultura popular, chora seus amores malfadados, celebra os amigos e a vida, e também bons amores, como não!

Não é a história dos capatazes que ele conta. O samba é dos morros do Rio, é das quebradas de São Paulo, é dos subúrbios da Bahia. É de qualquer lugar do Brasil, de qualquer esquina e qualquer botequim, onde poetas e músicos fazem samba como quem celebra. É por isso que nem todo mundo precisa aceitar o samba. E o samba também não quer aceitar todo mundo. Ninguém faz samba só porque prefere...

Mas mesmo assim, com todos os contrapontos, contratempos, contrabaixos que possa haver, com todas as discriminações, preconceitos, desigualdades, opressões, o samba é o hino de muita gente bamba. Talvez incomode os sócios do “Paulistano”. Problema deles.


***
Ninguém ouviu um soluçar de dor num canto do Brasil. Talvez amanhã possam ouvir. Eu desejaria que em cada canto desse país ecoasse o canto de negros e negras que comemoram a sua luta por liberdade, por igualdade e pelo fim das amarras da opressão e da exploração. E que esse canto ecoe noite e dia, ensurdecedor...

Esse canto devia ser um canto de alegria, mas soa como um soluçar de dor. Séculos de dor e de luta. Um brinde - com um bom samba! - à luta dos negros e negras deste país. 20 de novembro é Consciência Negra.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Mulheres nas ruas

Já que aqui tanto se falou sobre machismo e violência, fica a sugestão de engrossarmos o ato das mulheres por uma vida livre de violência contra as mulheres. A foto abaixo é da manifestação de 8 de março de 2007, em São Paulo. Retirada da página da SOF (Sempreviva Organização Feminista): www.sof.org.br.



Dia 25 de novembro, às 15h
Na Praça do Patriarca, São Paulo/SP

Muitas são as histórias de mulheres que são agredidas, violentadas e mortas por homens, que, na maioria das vezes, são seus maridos, namorados ou ex-maridos e ex-namorados. A imprensa fala dessas histórias como se fossem “loucuras de amor” ou “surtos” motivados pelo fim de um romance. Mas não são. Isso é violência contra a mulher, é crime, e é mais comum do que imaginamos.

Essa violência que as mulheres sofrem é decorrência do machismo, da tentativa permanente dos homens de terem controle sobre elas – pensamentos, vontades, sexualidade e daí por diante – e de eles não aceitarem que elas tenham sua própria vida autonomamente, que digam “não” para eles. A principal forma de exercer esse controle é através da violência, psicológica ou física, o que leva, em diversos casos, à morte.

O caso Eloá e a influência da mídia
Foi isso que vimos recentemente, no assassinato da jovem Eloá Pimentel por seu ex-namorado. E enquanto isso, a polícia não é preparada para lidar com situações como essa; o governador Serra continua sem assinar o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher; e a mídia segue espetacularizando a morte dessas mulheres, tratando tudo como se fosse um trágico final de novela. Aliás, cada vez mais, percebemos que os meios de comunicação reproduzem o machismo que motiva a violência cotidianamente, através de esteriótipos, de piadas preconceituosas e exposição de mulheres como se fossem produtos.

E em São Paulo, como estamos?
Na cidade de São Paulo, o Prefeito Gilberto Kassab está desmontando a Coordenadoria da Mulher, organismo de governo voltado às políticas para as mulheres. Não há política de atendimento às mulheres em situação de violência e nenhuma política de prevenção à violência. A Lei Maria da Penha é desrespeitada muitas vezes e, hoje em dia, nenhuma Delegacia da Mulher fica aberta após as 18h na nossa cidade – como se a violência acontecesse somente no horário comercial.

Vamos à luta!É por isso a Marcha Mundial das Mulheres e as mulheres da CUT irão para a rua dia 25 de novembro, Dia da Não Violência contra a Mulher: para denunciar os tantos casos que acontecem todos os dias, as mortes de mulheres, o descaso dos governos, a banalização, o tratamento dado pela mídia e a impunidade dos homens – que contam com essa impunidade quando cometem atos de violência, mesmo os mais brutais, como aconteceu com Eloá.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A triste política que se faz na Câmara Municipal de São Paulo

E no momento em que tanto se fala sobre fidelidade partidária - da qual sou absolutamente a favor, sem atenuações -, lá vêm vereadores(as) de São Paulo, mais uma vez, dar uma lição de antipolítica.

A coligação que apresentou a candidatura de Marta à Prefeitura era composta por PT, PCdoB, PDT, PSB e PRB. Desses, apenas o PDT não entrou na coligação proporcional (a que apresenta uma chapa de candidatos/as a vereador/a), que fez 16 cadeiras na Câmara. Imagina-se que quem vota numa chapa que sustenta uma candidatura de oposição à atual administração municipal tem uma visão crítica à mesma, com a expectativa de que seu/sua vereador/a represente essa opinião.

Pois bem... Eliseu Gabriel(PSB), Noemi Nonato(PSB) e Bispo Atílio(PRB), eleitos pela votação do PT - porque seus partidos, sozinhos, não teriam obtido votação suficiente para eleger nenhum deles - nem tomaram posse e já migraram para a base governista que vai sustentar Kassab na Câmara. Depois de participarem de uma chapa de oposição, eles refletiram e chegaram à conclusão de que melhor pra São Paulo é Kassab. Ou que melhor pra eles é ser governo.

Seria tão bom que viesse a reforma política! Se não pra acabar de vez com o oportunismo e o fisiologismo, pelo menos, pra impedir que haja coligações proporcionais. Já seria um adianto de vida.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Voltando ao assunto violência

Na Folha de hoje, mais uma vez, em “Cotidiano”, uma reportagem aborda o caso da menina de 15 anos que, na cidade catarinense de Joaçaba, foi estuprada por 3 jovens.

O advogado de um dos meninos diz que foi “lamentável”. Mas que foi um “momento de bobeira”, e isso não faz dos meninos “mentes doentias”. Diz ainda que eles não são uma exceção, mas sim, um retrato de algo que costuma mesmo acontecer entre adolescentes, o que precisa ser um “alerta”.

É como dizíamos antes... impressionante a capacidade de se relativizarem os crimes contra mulheres. Sempre há atenuantes aceitáveis, como “bebeu demais”, “estava surtando”, “deu bobeira”. Mas afinal, há que se compreender, é “muito jovem”, é “trabalhador”, é “um coração em sofrimento”.

Mas e as mulheres??? A primeira coisa que acontece é buscar nelas alguma coisa que “justifique” a agressão que elas mesmas sofreram! Como “ela provocou”, “ela quis”, “ela fez por merecer de alguma forma”. E isso está claramente contido na exposição de cada caso através da mídia. Foi o que vimos no caso de Eloá Pimentel.

Impressionante a facilidade com que vítimas se tornam cúmplices de seus próprios agressores sob o olhar machista que organiza as relações sociais. Minha firme e sincera expectativa é de que esses 3 rapazes sofram as penalidades cabíveis ao ato que praticaram. E que todos ao seu redor classifiquem como inaceitável a violência que cometeram. Porque ela é.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O velho Marx tinha razão

“Em um sistema de produção onde toda a continuidade do processo de reprodução depende do crédito, quando este acaba subitamente e somente transações com dinheiro passam a ser aceitas, é inevitável que ocorra uma crise, uma tremenda demanda por meios de pagamento. É por isso que, à primeira vista, a crise inteira parece ser somente uma crise de crédito e de moeda. E de fato trata-se apenas da conversibilidade de letras de câmbio em dinheiro. No entanto, a maioria destes papéis representam compras e vendas reais, cuja extensão – para muito além das necessidades da sociedade – é, afinal, a base de toda a crise. Ao mesmo tempo, há uma quantidade enorme destas letras de câmbio que representam mera especulação, que agora revela sua face e colapsa; especulação fracassada com o capital de outras pessoas, com o capital-mercadoria depreciado ou invendável, ou com ganhos que nunca mais poderão ser realizados. Todo esse sistema artificial de expansão forçada do processo de reprodução evidentemente não pode ser resolvido com um banco, por exemplo, o Banco da Inglaterra, entregando a todos esses especuladores o capital que lhes falta através de seus títulos, comprando mercadorias depreciadas a seus antigos valores nominais. Aliás, é nesse momento que tudo começa a parecer distorcido, já que nesse mundo de papel, o preço real e seus fatores reais desaparecem, deixando visível somente metais, moedas, cédulas, letras de câmbio e títulos.”

Karl Marx, O Capital, vol. 3, cap. XXX.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Menos política hoje

Outro dia, falava com um amigo sobre a vida. A minha e a dele. Reparamos a quantidade de vezes que subterfúgios aparecem para nos tirar o foco, ou nos jogar completamente para outro foco:

A – Já reparou quantas vezes usamos a palavra “subterfúgio” hoje?
R – Verdade...
A – Impressionante como esses malditos sempre estão lá. Normalmente, para atrapalhar alguma coisa.

É que o assunto eram situações das nossas vidas. De variadas naturezas: família, trabalho, política... até futebol. Essencialmente, relacionamentos - claro. Que permeiam todo o resto.

A – Já dá pra perceber que subterfúgios, na realidade, não são subterfúgios. São mesmo os verdadeiros culpados!

Subterfúgios são aqueles elementos que são coadjuvantes na história, mas, exatamente por isso, nos levam até eles para que não vejamos os reais protagonistas. A palavra vem do latim, subterfugere, e significa, de acordo com os dicionários, um “pretexto”, ou um “ardil para fugir às dificuldades”.

Você está lá, mergulhada em um mar de incertezas e de (im)possibilidades. Daí, na escuridão desse mar, tem um pontinho iluminado, que não vai te salvar do escuro, mas se você prestar toda a sua atenção nele, ele te encanta por algum tempo, como se fosse capaz de lhe tirar dali... mas, no fundo, não é. Mas não estamos no fundo ainda, então, não percebemos que não é! E deixamos nossa atenção se concentrar naquele pontinho de luz...

Só tem duas saídas. Chegar ao fundo, e ver que o pontinho de luz é só um pontinho de luz, e não tem nada a ver com o resto da escuridão. Ou apagar essa luzinha intrometida, e produzir a luzona que vai, de fato, iluminar a escuridão inteira.

Mas e se a gente conseguir transformar o pontinho de luz em uma chama voraz???

A – Não se tem notícia de que isso aconteceu um dia...
R – Então aproveitemos enquanto não sabemos disso.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Primeiro post

A notícia da Folha de S. Paulo de hoje, 11 de novembro, em "Cotidiano", motiva o primeiro post deste blog. Triste motivo de começar, aliás. O lead diz que o Tribunal de Justiça de São Paulo deixou de qualificar 2 crimes de violência sexual como hediondos, e, em um dos casos, inclusive, o criminoso teve sua pena abrandada.

Não vou discutir juridicamente o que significa a palavra hediondo. Vou afirmar que é preciso eliminar toda forma de machismo que se expressa mundo afora, toda prática de opressão das mulheres, de violação ou alienação de seu próprio corpo, de controle, de subjugação. É inadimissível que haja conivência - sim, conivência - com a violência contra as mulheres. Porque quem não combate a violência é aliado dela. Não dá pra não ter essa radicalidade ao falar desse assunto.

Não podemos nos habituar à ausência e nem podemos aceitar que os crimes contra as mulheres sejam considerados crimes "comuns", ou "menores". Porque, o mínimo, é que eles sejam compreendidos dentro de um sistema que, na sua integralidade, estrutura a desigualdade. E violência sexual é parte fundamental disso.