domingo, 22 de janeiro de 2012

A Fonte das Mulheres

Acho que a melhor decisão que tomei desde que o ano começou foi entrar no cinema nesta tarde de domingo para ver A Fonte das Mulheres. Isso não desmerece as demais decisões de 2012. É que o filme é realmente muito bom.



Eu não tinha ouvido falar dele, mas, como vocês devem supor, o nome me chamou a atenção. Em tempos de pós "Primavera (?) Árabe", o filme ganha ainda mais atualidade. A história se passa numa pequena comunidade islâmica, situada em local desértico entre o norte africano e o oriente médio. Sob um olhar superficial, as mulheres se rebelam contra os homens, porque cabe a elas o trabalho pesado de ir buscar água para abastecer a vila, sem nenhuma ajuda de seus maridos, pais e irmãos.

Entretanto, o enredo se apropria dessa "limitada" questão para lançar luz sobre muito mais. A protagonista da história, a jovem Leila, é das raras mulheres que sabem ler e escrever. Ao lado da experiente Velho Fuzil, as duas questionam a interpretação que se faz do Alcorão, alegando que Alah espera que homens e mulheres sejam iguais. Denunciam que as mulheres realizam todo o trabalho, enquanto os homens somente as exploram. Mobilizam as demais e se organizam para enfrentar a situação por meio de uma greve de sexo, que atinge enorme repercussão. Muitas mulheres acabam estupradas pelos maridos, sofrem violência, inclusive diante dos filhos, sem ter a quem recorrer. Em meio a tudo isso, a omissão da Igreja e a corrupção das autoridades.

Leila é perseguida pela sogra, que demonstra discriminá-la pelo fato de ser estrangeira. Ao mesmo tempo, o marido, professor, dos mais intelectualizados da aldeia, procura apoiar sua luta, mas recua muitas vezes. Teme que as mulheres queiram ir além de conquistar ajuda no ato de ir buscar água.

Num diálogo entre homens, que se reúnem para encontrar solução para o impasse, alguém se lembra que a tarefa, executada pelas mulheres, deveria ser garantida pelo Estado. Porém, pouco ou nada fazem para fortalecer a luta feminina - que, a princípio, buscara a divisão da tarefa com os homens. Os mais conservadores sugerem explicitamente que elas sejam controladas por meio de violência. Porém, destemidas, elas seguem com sua luta, utilizando de todos os poucos artíficios de que dispõem.

Engana-se quem assiste ao filme com desprendimento científico. Ali, fala-se sobre um local perdido entre o norte da Árica e o Oriente Médio, e sobre a religião dos muçulmanos. Entretanto, respeitadas as proporções, aquela é a realidade de todas as mulheres do mundo. A divisão sexual do trabalho, que responsabiliza exclusivamente as mulheres pelo trabalho doméstico e de cuidados, continua escravizando milhões delas em todo o mundo, seguidoras de todas as religiões. A violência é um meio de controlá-las em toda a parte. O estupro dentro do casamento é uma cruel realidade global. A organização das mulheres no feminismo continua sendo combatida por muitos, por meio da desqualificação política e da truculência. A liberdade ainda não é uma realidade, e a luta feminista continua necessária.

As falas e as músicas cantadas por Leila e Velho Fuzil são, muitas vezes, emocionantes. Não porque rebuscadas ou carregadas de metáforas, pelo contrário: exatamente porque falam de coisas concretas de forma literal, com inteligência e coragem.

Um belo filme, uma boa história, uma importante lição: as mulheres não vão aguentar caladas a opressão que sofrem.





LE SOURCE DES FEMMES 
Diretor: Radu Mihaileanu
Elenco: Leïla Bekhti, Hafsia Herzi, Biyouna, Sabrina Ouazani
Duração: 135 min
Ano: 2011

Em Porto Alegre, o filme está em cartaz no Unibanco Arteplex
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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Todas Elas - samba é substantivo feminino

Mais um sambinha... a parceira Bibiana Petek, da Feira de Mangaio, está colocando a música... Em breve vocês ouvirão. Espero que gostem desta também.


TODAS ELAS

Eu não peço licença
Pra entrar
O lugar é meu também
É aqui que eu vou ficar

Sou maior do que pensa
Vim lutar
Sou visível, sou alguém
O mundo todo é o meu lar

Você pode me tirar
Pra dançar
Mas se eu quiser
Canto, toco, organizo
Faço chover granizo
Se convier

Dançar conforme a música
Andar na linha de corte
Não preciso só de sorte
Não preciso ser a única

Eu sou muitas, sou todas elas
E pra elas vou cantar
Salve Chiquinha, Leci, Clementina
Maria Rita e Jovelina
Vou chegando pra ficar

Eu não peço licença
Pra entrar
O lugar é meu também
É aqui que eu vou ficar

Minha alegria imensa
Não acaba
Irreverência de quem
Conquista a sua vaga

Você pode me tirar
Pra dançar
Mas sou capaz
De escrever letra e melodia
Pra descrever a ferida
Que você traz

Dançar conforme a música
Desde os tempos mais antigos
Eu sei que Clara está comigo
Eu sei que não sou a única

Eu sou muitas, sou todas elas
E pra elas vou cantar
Salve Beth, Elis, dona Ivone
Mariene, Teresa, Alcione
Sou valente como o mar

Salve todas as que não couberam nesta humilde canção, mas que todas trazemos no coração! É a nossa história, a memória, é a senhora do tempo, de todo povo brasileiro, da cultura, da desenvoltura, da vida dura, das grandes figuras... Salve Clara Guerreira pela inspiração, salve toda mulher do samba, salve toda mulher do mundo, salve quem quer um futuro de igualdade pra todos nós! Saravá!

E ninguém vai nos calar.