quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O ódio, a náusea e uma flor para romper o asfalto


Nos 110 anos de Drummond e nos 3 dias da eleição de Fernando Haddad em São Paulo.
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Eu me lembro bem da eleição da Erundina, em 1988. Tinha 9 anos. Ela era a terceira colocada nas pesquisas, mas surpreendeu e superou Paulo Maluf (na época, no PDS, a velha Arena da ditadura) e João Leiva (que era do PMDB do então governador Quércia). Uma mulher paraibana foi a segunda a chefiar a Prefeitura da maior cidade do Brasil depois do regime militar, época de prefeitos biônicos.

Depois dela, vieram 8 anos de malufismo. Primeiro, o próprio. Depois, seu sucessor, Celso Pitta, cassado por corrupção. A crise na cidade somou-se a outros fatores da conjuntura - inclusive, nacional - e abriu espaço para uma nova liderança que se projetava, Marta Suplicy. Em 2000, ela venceu as eleições e foi a segunda prefeita do PT em São Paulo. Dos quatro anos que se sucederam, eu me lembro perfeitamente bem. A criação do bilhete único, os corredores de ônibus, os CEUs na educação municipal, a política habitacional avançadíssima, políticas para as mulheres, para a juventude, combate ao racismo e à homofobia. Foi um baita governo.

Em 2000, aliás, o Governo Federal do PSDB comemorava 500 anos do "descobrimento" do Brasil, como quem passa asfalto sobre a nossa história. Afinal, nesses 500 anos, eram eles legítimos representantes dos que sempre mandaram e desmandaram no país, desde D. Pedro I, desde antes. Definiram que o Brasil estava fadado a ser dependente, que Universidade não era para todo mundo mesmo, que nem todo lugar poderia ter energia elétrica mesmo, que o latifúndio era a única forma de produção mesmo. Asfaltaram esse caminho e seguiram. Mas veio 2002.

Em 2002, José Serra foi o porta-voz do projeto político que propunha o tédio para o Brasil. Vamos continuar onde sempre estivemos, não há por que mudar. O caminho está asfaltado e nós estamos percorrendo. Nada de novo pode acontecer. Não há esperança. Precisa haver medo de mudar. E tédio para continuar.

Mas ele perdeu. Finalmente, ganhávamos a Presidência da República.

Em 2004, não conseguimos reeleger Marta em São Paulo, mesmo com a periferia ao seu lado. E lá veio o Serra com seu tédio. Não terminou seu mandato, virou governador, não terminou seu mandato, tentou ser presidente de novo, perdeu.

Quis voltar à prefeitura agora, em 2012. Depois de ter deixado a cidade com Kassab e, assim, contribuído para a criação de mais esse ilustre personagem do cenário político nacional, o homem ainda quis voltar. O Maluf, quando quis voltar depois do Pitta, disse que só ele poderia consertar a cagada que ele mesmo fez. Pelo menos, era engraçado. O Serra nem isso.



E aí vem o ódio. Esse ódio que começou a ser cultivado em 2002. Ódio que, em 2004 em São Paulo, quando da nossa derrota, fazia alguns dizerem que pobre não sabe votar. O ódio expresso na fala de Borhausen em 2005, que anunciava que se livrariam da "nossa raça" por 30 anos. O ódio que eu sentia nos bairros de classe média em São Paulo, quando fazia campanha para Lula e Mercadante em 2006. Chamavam-nos de ladrões, faltava cuspir-nos na cara. Esse ódio que se travestiu de fé cristã e permeou todinha a campanha do Serra em 2010. E em 2012.

Esse ódio praticado por pessoas que me acusam de mensaleira sem me conhecer, mas não sabem o que é o tal processo do mensalão, nem fazem ideia. É um ódio que tá nos olhos e na boca de gente que dirige agressões e ofensas a amigos e amigas que tenho, que votaram e apoiaram Haddad. Ódio transbordado de pessoas que dizem que o socialismo mata e o capitalismo salva, pessoas que não conhecem bem a história e costumam reproduzir acriticamente ideias vagas e deturpadas sobre países, eventos, conceitos, políticas. Ódio que percorre as palavras de imbecis do naipe de Azevedo, Mainardi, Pondé, Jabor, Waack.

O ódio contra o PT não é pelos seus erros. É pelos seus acertos.

Não devolvo com mais ódio. Fico com um certo nojo, confesso. Chega a dar enjoo. Ouvi e li cada coisa nos últimos dias pré-eleição em São Paulo, bem como nestes poucos dias pós-eleição, que me fez ter vontade de vomitar. Agressões, ofensas, preconceitos de toda sorte. Não devemos seguir até o enjoo total, mas nem vomitar nossas palavras sobre quem jamais as aceitaria. Melhor traduzir esse nojo numa sonora gargalhada comemorativa: nós vencemos.

Na disputa de projetos em São Paulo, venceu o PT. E venceu para executar sua vocação transformadora, para peitar as desigualdade históricas, como fizeram Erundina e Marta. Para olhar para as periferias com respeito, não com clientelismo-coronelista. Para fortalecer os serviços públicos. Para que nunca mais se admita que uma pessoa seja agredida ou morta na rua por exercer sua livre orientação sexual. Essa é a nossa flor: o nosso programa de mudança.

Uma flor nasceu na rua! E ainda que a execução desse programa acentue o ódio de classe em alguns, que sempre nos odiarão por termos questionado sua propriedade sobre nossa cidade e nosso país, que sempre nos odiarão por termos retirado-lhes o poder que pensaram ser exclusivo deles, que sempre nos odiarão porque, sob nossos olhos, não poderão saquear o povo brasileiro como sempre fizeram (e ainda querem vir falar de mensalão)... Ainda assim, muitos outros e outras se encantarão. A flor é nossa arma para esse encantamento. A massa cheirosa vai ficar isolada, vendo passar na avenida Paulista um samba popular.

Se a esperança pôde vencer o medo, o que poderia vencer o ódio? Essa flor nossa. Ela é capaz de furar o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.



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Muito feliz por ter visto a vitória de Fernando Haddad domingo em São Paulo. Gargalhando para curar a náusea e cultivando flores para vencer o ódio.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Em branco


Que aflição me dá uma folha em branco.
São as histórias que não escrevi as que mais me doem.
Histórias prontas, que não se movem
Não saem pro mundo
Não têm lugar.

Irreais, fictícias, covardes.
As histórias que não se deixam escrever
Que perturbam o sono
Sem saírem do corpo
Sem se estenderem para fora.

Há muito, há muito a fazer
E a gente se preocupando
Com o que não fez.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Ode à Pedra


Eu tenho uma pedra
Amiga dura
Cabeça-dura
Firme e cinza
Pedra, como se fazem as pedras
Que ocupam espaço
E que não rolam por aí.

Pedra que se apedreceu
Não precisa de bons motivos
Só está lá
Porque sim

Tentaram roubar-me a pedra
Tirá-la do lugar

Não deixo.
A pedra, minha pedra assimilada.

Deixem-me em paz com a minha pedra.
Ou deixem-nos as duas na guerra.
Tenho a pedra que me arma e me defende.

Mas não a atiro.
Nunca!
Junto as que caem sobre mim
E monto um castelo de pedras.

Porque a pedra
Esta pedra minha
Gentilmente apanhada
Cultivada
Arraigada
É o que há de concreto
Entre tudo o que havia
No meio do caminho.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Mariana


Mariana fugiu
Para dentro de si
Navegou-se até aportar
Na lagoa

E na calmaria das águas claras
Inventou a escuridão
Para melhor se enxergar

Até achar o vendaval
Em si,
Que era mar

Voou para longe do vendaval
E nunca mais se encontrou.