sexta-feira, 22 de março de 2013

Afazer


Atrasada para o trabalho, corre esbaforida, perde o celular no caminho, deixa a camisa nova toda suada. Chega, passa o dorso da mão na testa, respira buscando o mais de ar que pode alcançar. À sua volta, alguns riem da pressa - "essa não tem jeito!". Ela nem se importa, liga o computador e começa a fazer o que devia ter começado há... 15 minutos?

O dia não está ruim, só está apressado. Em meio a tanto o que fazer em tão pouco tempo, invade-lhe os pensamentos aquele cara de quem gostava... Saíram algumas vezes, ela se apaixonou, ele não. Doeram-lhe o coração e o estômago por várias semanas. "Nunca mais vou me apaixonar", prometeu outra vez. Não podia vê-lo, a dor voltava. A paixão também. E, quando via, lá estava ele em sua cama, partindo de novo.

Pensando nisso no meio de seu dia corrido, olhando o que ainda tinha por fazer, imaginando o fim de semana pelo qual mal podia esperar, ela pára. E então, ocorre-lhe a insolucionável questão: o que eu via nele???

***
Moral da história: a gente tem mais o que fazer, mas nem sempre percebe isso rápido.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Dia da Poesia


Eu gosto mais da poesia. Mesmo quando ela não me deixa dormir, porque os versos ficam me martelando. Mesmo quando eu a vejo num discurso político, que me enche da esperança que eu não vou perder nunca. Mesmo quando eu vejo o Barça fazendo um gol improvável numa troca de passes surreal; o São Paulo contrariando lógicas e estereótipos mal acabados. A poesia que tem no abraço dos amigos, em risadas sonoras. A triste poesia da despedida, versos que não eram para sair, mas saem. Eu prefiro a poesia mesmo assim. Eu prefiro a poesia quando é mais difícil fazê-la do que escrever um artigo acadêmico. Eu prefiro, porque um verso de samba me vem à cabeça e não tá nem aí se um dia alguém vai ouvi-lo. Eu prefiro, porque eu sempre preferi. Eu prefiro a poesia, porque quem está falando isso é ela. Eu prefiro a poesia. Porque a vida real seria sem graça sem ela. E porque tudo tinha mesmo que virar poesia.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Ser mulher

Nas primeiras horas da manhã, a mulher levantou e foi plantar a vida na terra, pra da terra tirá-la, pra da terra sair. Na terra ficou e plantou-se, como flor, como Rosas, Margaridas e Violetas, com espadas, enxadas e canções, ensinando a humanidade a cultivar o futuro que semeou em tempos bons ou ruins, adubado por sangue e suor de mulher, que percorreram seu corpo sem definir seu destino, para extravasar-se e cair no chão, arando porvires melhores. Mulher sabe que o mundo não é agora, o mundo já foi e vai ser, o mundo existe para ser transformado em colheitas de luta e de sonhos. Mulher rompeu amarras, livrou-se das garras e das mãos que seguravam seus pés. Mulher é inconformada, pode mais e vai além. Mulher não vê o que está ali, vê o que pode estar, e cumpre o caminho que há enquanto observa cuidadosa para encontrar em que lado estará o mato fechado a ser desbravado na direção do novo dia verde. Mulher colhe, todos os dias, o que planta desde a aurora da humanidade, conhece quem é, tem olhos cheios de água e de sons. Choram Marias e Clarices, riem-se Chiquinhas, Claras, Clementinas e Alices. Mulher não sabe o que é medo porque não teve tempo de aprender, enquanto ganhava em seu rosto as marcas do tempo que viu, o peso profundo de tudo o que somos, a beleza luminosa de quem vamos ser. Mulher sai do fogo, da água e da mata, mulher amanhece em qualquer madrugada, mulher sempre sabe o que ninguém percebeu. Mulher é a vida que explode em jornadas ingratas, no pó do caminho, na carga inexata da história que vem correndo atrás, para onde ela chama. Não só Amélias e Emílias, são Coras, Adélias, Cecílias espalhando sementes com versos no ar. No fim do dia, a mulher cansada sente o corpo pesar, mas o olhar é do dia que vai começar. São Iaras, Dandaras, Heleniras, Lourdes, Luízas. Despertam prontas para ser o que são, e sem dó: a mulher é a mão que semeia o mundo melhor.

terça-feira, 5 de março de 2013

O sono das filhas de Iara


Não era uma esquina,
A lua não estava cheia,
E não havia trilha sonora.

O cenário era cinza e azul.
Cinza porque sim,
Azul porque não.

A calçada era bruta
Nem frio, nem calor.
Nenhuma frase pronta.

Não era magia,
Não era uma coisa no ar.
(o ar estava úmido,
e cheio de fumaça de cigarro)

Ali, desse jeito,
Iara determinou:
Queria suas filhas em casa,
Dormindo,
Seguras,
Dois anjos.

Naquela calçada,
Que era tão inocente,
Tão coadjuvante,
Tudo se passou.
Tudo.
Todos.

Não choveu para lavar almas,
Não relampejou para trazer ideias,
Não se estrelou o céu para fazer passar
        Uma dor
        Duas dores
        Os amores
        Inodoros.

Iara chamou,
As filhas a seguem.
Sem olhar para trás,
Sem querer demais,
Sem sentir-se capaz.

A mágoa, o vento leva.
A esperança é o mar quem traz.

A calçada fez-se palco,
O tempo fez-se cúmplice.
E tudo acabou.
Simultâneo,
Impreciso
Direto.

E agora,
Dormem as filhas de Iara.
O sono das justas
            das fortes
            das que voltaram
                  sem nunca ter
                   ido.