quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Léo e Verônica - parte 3 de 10

Leia aqui as partes UM e DOIS.



Como que furtivamente, escolheu uma quadra distante do seu trajeto habitual, no fim da Asa Norte. Conforme se aproximava o momento de rever Verônica, o coração palpitava mais e mais, rodopiava, dançava um tango dentro de seu peito.

- Você está mais bonito que na época da faculdade.

E ela diz isso sorrindo. Com os olhos reluzindo. As suaves sardas no rosto pareciam pintadas por Van Gogh, só para fazê-la diferente de todas as demais mulheres do planeta.

Conversaram durante duas horas. Ela falou do tempo que passara na Itália, o aprendizado, a paixão pelas artes plásticas e as perspectivas profissionais. Lecionava numa faculdade particular, mas sonhava integrar o corpo docente da UnB e seguir com suas pesquisas.

- E sua esposa, que faz? Publicitária também?

- Sim, é... Mais administradora que publicitária, nos conhecemos na agência onde trabalho...

- Oh. Uma publicitária que é administradora e uma publicitária que é historiadora da arte. Você é o único dessa turma que levou a publicidade a sério?

E soltou uma gargalhada espontânea e leve. Ele se remoía por dentro. O que mais queria era dizer a Verônica que o casamento ia mal, que estavam prestes a se separar, mas não queria parecer ridículo. Queria beijá-la intensamente como fizera tantos anos atrás, mas, desta vez, sem serem interrompidos pela iminência da “besteira”, por medo, recalque ou qualquer coisa que os impedisse de fazer a besteira que quisessem impunemente.

Ela exalava perfume de flores do campo. Contou que nunca mais viu o fulano. Teve outros namorados, mas não era do tipo que se entregava à comodidade, destacou. Quando as coisas precisam acabar, elas acabam. Ele se sentiu minúsculo.

Ao acompanhá-la até um táxi, titubeou aos tremeliques, mas por fim, libertou-se das amarras – que chegavam a pesar fisicamente – e beijou-a, como queria. Ela retribuiu.

- Acho que vou com você nesse táxi para ter certeza de que chegará bem...

- Está querendo me defender de alguma coisa? Ou devo me defender de você? – ela riu e os olhos reluziram ainda mais.

Foram, e a noite nunca mais acabou. Léo temia que alguém o despertasse. Estar com a mulher dos seus sonhos era ainda melhor na realidade. A felicidade explodia dentro dele, como se seus órgãos estourassem fogos de artifício, e seu sangue carregasse, de um lado pro outro, uma sensação plena de satisfação. Depois que dormiram, ele acordava de quando em quando para ter certeza de que tudo aconteceu. Sentia-se o mesmo menino da faculdade, olhava-a dormir e sentia amor. Sabia que era amor, o amor de sempre, tão conhecido, tão familiar. Era muito fácil amar aquela mulher.

Nas primeiras horas da manhã, o sonho acabou. Saiu apressado, atrasado, para casa, vestir-se para mais um dia de trabalho. Correu as quadras serelepe, estaria singing in the rain, não fosse pleno período de seca na capital federal. Os ipês coloridos compunham o cenário da sua felicidade, a boca não conseguia parar de sorrir, porque nela ainda estava impressa a noite que ora se acabava.

Mas ele chegou em casa e a vida real desabou sobre ele. Lá estava o cachorro, que, faminto, destruíra algumas roupas que estavam estendidas num varal de chão. O velho tênis azul ficara em pedaços. A louça se amontoava na pia, e a torneira passara as últimas 24 horas pingando irritantemente. Nada que pudesse lhe tirar o bom humor.

Laís não estava, fora a Goiás visitar a mãe doente. Claro que aquela coragem toda não surgiu de algum tipo de enfrentamento.

Como um adolescente que precisa controlar seus impulsos apaixonados, Léo segurou o mais que pôde a vontade de tocar Verônica de novo, mas, como a tecnologia intermediasse um toque virtual que causa sensações físicas, enviou-lhe uma mensagem já no final da manhã. “Lembro que você detestava acordar cedo. Espero que me perdoe por fazê-la levantar antes das sete. Beijos sonolentos, mas bem-humorados”, disse.

Sim, dormiram muito pouco. Ele também não estava habituado a isso, e disputava contra o sono armado de xícaras e mais xícaras de café. A vontade de dormir era perceptível, e disfarçava o olhar de peixe morto, característico dos arrebatados pela paixão. Ao chegar em casa, à noite já, Laís notou a noite mal dormida:

- Você precisa fazer alguma coisa pra resolver essa insônia – aconselhou, com a falta de atenção de quem não acredita no próprio discurso, enquanto preparava o jantar.

***
Continua...

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